Mostrar para Redescobrir



Mostrar. Essa é a palavra neste momento do processo!

Este trabalho está mexendo e remexendo comigo, o tempo todo. Desde as primeiras ansiedades ao começar o estudo do texto até o desespero em mostrar alguma cena que insiste em não sair!

Passei semanas sem conseguir efetivar a tarefa de construir as duas cenas sem nenhuma interferência externa. No início da semana passada, uma cena finalmente surgiu! Era a que eu mais temia e, de repente, surgiu!

É incrível pensar-me enquanto ator, nesse estado de criação, buscando e redescobrindo minhas ferramentas de trabalho, meus modos de criação... Me vendo de novo nos mesmos registros de energia, nos movimentos recorrentes, nas travas que - parece - enferrujaram.

Então, vem o Max e me orienta a trabalhar com fluxos contínuos de movimento. Eu, que sempre tendenciei a investigar meu corpo dinamizando as energias em quebras e rupturas, agora tenho que explorar minha corporeidade de modo contínuo e fluído... É, novamente, me romper e romper!

Aí, ao meu lado, tenho a Lucilla que me deixa completamente livre para explorar o movimento. E ela identifica em mim uma série de tendências que podem se tornar lugar-comum. Nesse ponto, a dificuldade aumenta. Reconheço, no meu trabalho sobre mim mesmo, que tenho certos aspectos a serem desenvolvidos. No que diz respeito ao movimento de braços, por exemplo, tendo sempre a explorá-los numa mesma forma. Mas, com a Lucilla, procuro conscientizar-me sobre essa forma e buscar outras. Ufa, como é difícil!

É assim que me sinto, hoje, num lugar que está longe de ser comum mas que, confesso, conheço um pouco. Me peguei pensando sobre como será amanhã - dia em que ensaiarei com o Max: vou mostrar tudo o que construí com a Lucilla sabendo que o Max conhece tudo o que vou mostrar, mas que a Lucilla não conhecia!!! Creio que é aí que a nossa poética está calcada, no momento.

No início dos nossos trabalhos práticos, eu lutava para não cair na racionalidade. Trocando essas impressões com os meus diretores, descobri que estou - na verdade - analítico. Isso chega a ser uma revelação para mim, pois é muito óbvio que eu, a todo o tempo, estava levando meus sentidos a um tempo em que estava livre de tantas elocubrações acerca do meu próprio trabalho; eu treinava ou ensaiava sempre num registro muito intuitivo; meu senso analítico ficou muito exacerbado devido a tanto tempo do lado de cá, na direção, no olhar de fora.

Agora eu estou aqui, montado no dorso instável de um tigre*, tentando me reaproximar de muito do que eu fazia há dez anos, quando, para mim, o trabalho de ator não alcançava ainda tantas esferas que vão além da interpretação pura e simples. Hoje percebo que estava ainda muito na idéia do autojulgamento, da análise do meu desempenho, da preocupação em realizar um bom trabalho...

Sei que, agora, o trabalho já é! E está sendo fantástico me redescobrir. Sentir que estou fazendo algo bom, que estou me movendo em direção de algum lugar que, por mais que eu conheça, terá sempre um canto ou um recôncavo onde eu possa penetrar e, dali, trazer algo novo.


. . . . .


*alusão a um artigo de Fernanda Torres para a Revista Piauí:
"Na antiga cidade grega de Pela, existe um mosaico com a imagem de Dionísio cavalgando as costas de um tigre. Para o deus do teatro, o palco, assim como o chão que pisamos em vida, é o dorso instável de uma fera. O medo é um sentimento inseparável do comediante. Se um ator, numa fração de segundo, se der conta de que quem está ali é ele, o mortal, e não o outro, o personagem imaterial, terá a alma exposta e correrá o risco de a qualquer momento ser abocanhado e cuspido pela besta imaginária."

Por Cristóvão de Oliveira
[Fotos de Lucilla Seluniaki]

2 comentários:

  1. ..... e eu estou ansioso para ver!!!
    hehehehhehehehehehhehehehehehhehehehe

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  2. ...e é isso que faz do trabalho do ator algo fascinante!!! Cada nova montagem, desmontar-se, cada novo personagem, renascer...sempre, em constante movimento...
    Denise da Luz

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